Desafios do empreendedorismo no setor digital no Brasil

O empreendedorismo no Brasil é frequentemente comparado a um esporte de resistência, onde cada etapa é repleta de obstáculos regulatórios, fiscais e estruturais, que testam a tenacidade e a capacidade de inovação dos empresários. Em especial, o empreendedorismo no setor digital.

Recentemente, conduzi uma pesquisa informal em 20 grupos de empresários do mercado digital dos quais participo. E esse levantamento, que contou com a participação de mais de 150 líderes do setor, não apenas confirmou essa percepção, mas também pinta um retrato detalhado da complexa teia de desafios que enfrentamos diariamente.

Este artigo não apenas cataloga esses desafios, mas também os analisa à luz de informações de mercado e de estudos realizados por entidades e associações brasileiras renomadas. As referências citadas, como relatórios do Banco Mundial, estudos da CNI, SENAI e FIESP, entre outros, fornecem uma base sólida para entender não apenas o “o quê”, mas o “porquê” dessas dificuldades serem tão proeminentes no Brasil.

Aqui, minha intenção é oferecer aos empresários, formuladores de políticas e investidores, insights valiosos que possam contribuir para a formulação de estratégias mais eficazes e políticas públicas mais assertivas para o fortalecimento do empreendedorismo nacional. Veja mais a seguir:

Principais achados da pesquisa

Um dos pontos que mais se destacaram nesta pesquisa sobre os desafios do empreendedorismo no setor digital foi a complexidade do ambiente de negócios brasileiro, que é multifacetado. Por um lado, há um sistema tributário labiríntico, que impõe uma carga administrativa pesada e desvia recursos que poderiam ser investidos em inovação e crescimento. Por outro, o acesso restrito a financiamento e capital de risco limita a capacidade de expansão das empresas, especialmente aquelas em estágio inicial ou com alto potencial de escalabilidade.

Além disso, o estudo reflete a dificuldade de encontrar e reter talentos qualificados. O rápido avanço tecnológico exige uma força de trabalho ágil e adaptável, mas a lacuna entre as habilidades ensinadas e as demandas do mercado é um abismo que muitos empresários lutam para transpor. A educação e a formação profissional, portanto, emergem como pontos críticos que necessitam de atenção urgente para alimentar o ecossistema de inovação do País.

A concorrência acirrada e a saturação de mercado também foram aspectos destacados, exigindo das empresas uma constante reavaliação de suas estratégias de captação e fidelização de clientes. A digitalização dos negócios, acelerada pela pandemia da Covid-19, trouxe oportunidades, mas também novos desafios, como a necessidade de se destacar em um oceano de ofertas digitais.


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Contextualização dos desafios do empreendedorismo no setor digital

Entre os principais adversidades para o avanço do empreendedorismo no setor digital no Brasil vale destacar:

  • Carga tributária e complexidade fiscal: ambos os aspectos, citados por 31.17% dos empresários, são notoriamente reconhecidos como entraves ao desenvolvimento empresarial no País. Segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil está entre as nações mais complexas do mundo, em termos de ambiente tributário. Nesse sentido, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que o sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos e onerosos, afetando diretamente a competitividade das empresas;
  • Qualificação profissional e mão de obra: esses quesitos, destacados por 33.12% dos entrevistados, refletem uma lacuna significativa entre a formação educacional e as necessidades do mercado. Inclusive, diante desse cenário, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) alertou para o déficit de profissionais técnicos, enquanto a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) ressaltou a urgência de reformas educacionais para atender às demandas da indústria 4.0;
  • Captação e fidelização de clientes: esses itens, mencionados por 11.69% dos participantes, são desafios amplificados pela digitalização dos negócios. Para se destacarem em um mercado cada vez mais saturado, a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) indica que as empresas devem investir em estratégias de marketing digital e CRM;
  • Adaptação às novas tecnologias e tendências de mercado: esse movimento, apontado por 6.49% dos empresários, é um reflexo da velocidade da transformação digital. Nessa linha, o relatório Tech Report 2021, da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), destaca que a capacidade de inovação é fundamental para a sobrevivência e o crescimento das empresas no cenário atual.

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O inesperado resultado sobre a regulação e as mudanças na legislação

Contra a corrente dos desafios comumente citados pelos empresários brasileiros, a pesquisa revelou um dado curioso: a regulação e as mudanças na legislação não foram apontadas como um obstáculo.

Este resultado é contraintuitivo, especialmente em um país conhecido por sua burocracia e frequentes alterações normativas. No entanto, entender o que motiva esse fenômeno requer uma análise mais profunda do contexto regulatório e das práticas empresariais no Brasil.

Uma possível explicação para a ausência de preocupação com a regulação e com as mudanças legislativas pode residir na natureza do ecossistema digital. Hoje, empresas digitais operam em um ambiente que, até recentemente, estava relativamente livre de regulamentações pesadas. Isso pode ter criado uma cultura de agilidade e adaptabilidade, onde as transformações são vistas como parte integrante do jogo e não como um empecilho.

Outro fator que pode contribuir para essa percepção é a maturidade das startups e empresas de tecnologia no Brasil. Com o passar dos anos, essas companhias aprenderam a navegar no mar regulatório e a antecipar possíveis mudanças legislativas. A experiência acumulada pode ter levado a uma melhor preparação e a sistemas internos que conseguem se adaptar rapidamente a novos requisitos legais.


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A influência de associações e entidades setoriais

A atuação de associações e entidades setoriais também pode ter um papel significativo na superação dos desafios do empreendedorismo no setor digital. Isso porque tais organizações frequentemente atuam como intermediárias entre o governo e o empresariado, ajudando a moldar políticas públicas e a suavizar o impacto de novas regulamentações.

De fato, a presença de um diálogo construtivo e proativo entre o setor privado e o público pode ter contribuído para uma percepção menos negativa das mudanças legislativas. Esse é o papel do associativismo.

Além disso, apesar das frequentes transformações em regulamentos específicos, o Brasil tem uma estrutura macrolegal relativamente estável. A Constituição Federal de 1988 e as leis fundamentais que regem os negócios por aqui, como o Código Civil e a Lei das Sociedades por Ações, proporcionam um arcabouço legal que não sofre alterações drásticas com frequência.

Na realidade, isso pode oferecer uma sensação de estabilidade que, em última análise, não coloca a regulamentação e as mudanças legislativas no topo da lista de preocupações dos empresários.

Verdadeiramente, a análise dos dados coletados vai além dos números. Ela reflete um cenário onde a burocracia fiscal, a dificuldade de acesso a capital, a deficiência na formação de mão de obra qualificada, a alta competitividade e a necessidade de adaptação tecnológica são realidades que se entrelaçam, impactando diretamente a sustentabilidade e o crescimento das empresas no Brasil.

Rodrigo Neves
Presidente Nacional da AnaMid
CEO da VitaminaWeb


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