Desafiando fronteiras: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável a contratos de marketing digital?

No competitivo e acelerado campo do marketing digital, as agências especializadas desempenham um papel crucial, fornecendo às empresas de todos os tamanhos as ferramentas necessárias para expandir a sua presença online. Entretanto, à medida que essa área evolui, emergem debates significativos sobre as implicações jurídicas e regulatórias dos contratos de marketing digital. Como advogada especialista em tais contratos, percebo a necessidade de trazer à discussão um aspecto relevante para as agências de marketing digital – a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O CDC define o consumidor como aquele que utiliza um produto ou serviço como destinatário final. No entanto, nos contratos de marketing digital, a empresa contratante – seja ela um pequeno negócio ou uma grande corporação – utiliza o serviço não como um fim em si, mas como uma ferramenta para promover a sua marca, aumentar a sua base de clientes e, consequentemente, impulsionar o seu negócio. Logo, seria esta empresa considerada um consumidor aos olhos da lei?


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Este é um tema que tem sido objeto de intensa discussão e análise por parte da doutrina e da jurisprudência. Segundo a interpretação dominante, baseada na teoria finalista, se um produto ou serviço é adquirido com o fim de incrementar a atividade negocial, o adquirente não seria considerado um consumidor, pois não estaria retirando o bem do mercado para o seu uso pessoal ou de sua família.

O Superior Tribunal de Justiça, em várias decisões, tem se manifestado nesse sentido, considerando que a aquisição ou utilização de serviços por uma pessoa jurídica para implementar ou incrementar sua atividade negocial não configura uma relação de consumo, mas sim uma “atividade de consumo intermediária”.

No entanto, existe uma ressalva importante: a teoria do “finalismo mitigado”, que permite a extensão da proteção do CDC para relações interempresariais em casos em que uma das partes apresenta uma vulnerabilidade técnica, jurídica, fática ou econômica em relação à outra. Ou seja, ainda que não seja o destinatário final do bem ou serviço, se estiver em uma posição de desvantagem, essa parte poderia ser considerada um consumidor e, portanto, ter direito às proteções do CDC.

Portanto, respondendo à pergunta inicial, aplicar o CDC aos contratos de marketing digital é uma questão que depende de uma análise cuidadosa de cada situação. E, em caso positivo, pode ter implicações significativas: dentre eles, está a inversão do ônus da prova. Se o CDC for aplicável, caso haja um litígio, será a agência de marketing digital, como fornecedora do serviço, a ter o ônus de provar que
não cometeu uma falha passível de indenização ou que o cliente não sofreu danos. Isso se contrapõe à regra geral do Direito Civil, onde o ônus da prova é de quem faz a alegação.

Um exemplo prático seria quando um cliente alega que a campanha de marketing digital realizada pela agência não gerou os resultados prometidos. Se o CDC for aplicado, a agência terá que provar que os serviços foram fornecidos conforme acordado ou que os resultados insatisfatórios não foram consequência de sua ação ou omissão.

Outro aspecto relevante é o direito ao arrependimento estabelecido pelo CDC. Este permite ao consumidor desistir de compras feitas fora do estabelecimento comercial, como é o caso dos contratos de marketing digital, em até sete dias após a assinatura do contrato. Se o contrato não estiver sob a égide do CDC, esse direito ao arrependimento pode não estar disponível.

Por exemplo, se um cliente contratar um serviço de marketing digital e, passados alguns dias, decidir que os serviços não atendem às suas necessidades, o direito ao arrependimento permitiria o cancelamento do contrato sem penalidades, desde que ocorra dentro do prazo de sete dias. Sem a proteção do CDC, o cliente poderia estar sujeito a taxas de cancelamento ou outras multas estabelecidas no contrato.

Ademais, o CDC também possui normas específicas para a cobrança de dívidas. No caso de pagamentos atrasados, as agências de marketing digital estariam restritas às práticas permitidas para cobrança, além de limitações quanto a taxas de juros e multas.

Estes são apenas alguns dos possíveis efeitos da aplicação do CDC nos contratos de marketing digital. Portanto, é fundamental que as agências de marketing digital compreendam plenamente as implicações da aplicabilidade do CDC a esses contratos, a fim de gerenciar adequadamente os riscos e proteger seus interesses.

Com o conhecimento e a compreensão desses fatores, as agências de marketing digital estão prontas para enfrentar os desafios impostos pelo ambiente legal e regulatório. Na interseção do direito e do marketing digital, as regras do jogo podem ser complexas, mas com diligência e cuidado, elas podem ser navegadas com sucesso. A chave é o equilíbrio entre a proteção dos interesses da agência e a proteção dos direitos dos clientes. Afinal, no coração de cada contrato, de cada campanha de marketing e de cada
decisão de negócios, estão pessoas – e o sucesso no cenário digital competitivo e acelerado de hoje vem de construir relações fortes, respeitosas e mutuamente benéficas com cada um desses indivíduos.

Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial Relator: Marco Aurélio Belizze.

Apelação Rio de Janeiro Capital 13 Vara Cível – Relator: Des. Sérgio Seabra Varella – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Fani Nogueira
Advogada na Ekoala Marketing Digital

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