ESG não pode ser para “inglês ver”

Nos últimos anos, tem-se falado muito sobre a importância do ESG (Environmental, Social and Governance; em português: Ambiental, Social e Governança) nas empresas.

ESG é um conjunto de ações que engloba diversos conceitos relevantes para a governança, a sustentabilidade e a responsabilidade social das corporações. No entanto, em muitos casos, o ESG é apenas uma estratégia de marketing, tornando-se uma atitude para “inglês ver”, feita com a intenção de impressionar investidores e clientes.

O fato é que muitas empresas ainda não perceberam que a responsabilidade social deve estar presente em todas as etapas da cadeia produtiva, incluindo as negociações de compras e os relacionamentos com fornecedores. As relações comerciais devem ser consideradas para que o “selo ESG” seja incluído, pois é preciso que as empresas tenham cada vez mais atenção ao poder de influência no ecossistema em que estão inseridas.

Um problema histórico: negociações com compras

Sabemos o quanto é complexo para uma equipe de compras efetuar a contratação correta de um fornecedor e as dificuldades de alinhamento de expectativa de escopo, de qualidade de entrega e de outros fatores que ficam mais distantes para a equipe se não houver uma boa sinergia com o departamento solicitante. Equipes de compras e marketing vêm, ao longo dos anos, sendo sucateadas com profissionais mais baratos e pouco capacitados, o que influencia diretamente uma mesa de negociação.

Ainda assim, vemos que, por trás das negociações de compras, algumas empresas adotam práticas que prejudicam a saúde financeira de seus fornecedores. Isso inclui táticas agressivas de negociação de preços (quase zerando a margem e a lucratividade das empresas), prazos de pagamento extensos e outras formas de pressão financeira que podem levar ao fechamento de pequenas e médias empresas, que, muitas vezes, num primeiro momento, não entendem o perigo de um fluxo de caixa desalinhado.

Por outro lado, os fornecedores também têm um papel importante nesse cenário. É preciso que essas empresas se organizem e lutem por seus direitos, estabelecendo contratos claros e objetivos que protejam sua saúde financeira, assim como seus princípios de ética e de sustentabilidade, e abram um diálogo transparente com o cliente sobre essa questão.

Afinal, a relação entre fornecedores e empresas deve ser baseada na parceria e no respeito mútuo, e não na busca desenfreada pelo lucro.

Algumas práticas que afetam os fornecedores diretamente

Uma das práticas mais comuns que afetam os fornecedores é o pagamento somente quando o produto ou o serviço está pronto para entrega. Isso pode ser extremamente prejudicial, visto que os fornecedores precisam arcar com os custos de produção e manter seus negócios funcionando enquanto aguardam pelo pagamento.

Além disso, muitos departamentos de compras estipulam fluxos de pagamento com prazos muito longos, como 95, 120 ou até mesmo 180 dias após a entrega dos produtos ou serviços.

Outra prática prejudicial para as relações comerciais consiste em, após toda uma etapa de negociação com o departamento solicitante no que se refere a escopo, valores e prazos, chegar à mesa de compras já com a margem comprometida, entrando em mais uma rodada que espreme o fornecedor. É necessário haver processos e ferramentas que possam mitigar esse tipo de tratativa.

Uma pergunta para reflexão: como querem que os fornecedores invistam em mais capacitação e inovação se eles não possuem lucratividade em seus contratos?

Essas práticas prejudicam seriamente as relações comerciais entre empresas e fornecedores. Por isso, é preciso que as empresas busquem uma negociação justa e equilibrada, que leve em consideração as necessidades de ambos os lados e respeite os prazos e as condições acordados.

Para evitar essas situações, é importante que haja uma abertura transparente para que o cliente entenda os limites dos fornecedores. Se posicionar e proteger os direitos do fornecedor, estabelecendo processos comerciais claros e firmes, é uma atitude importante. Estipular prazos e condições de pagamento justos e equilibrados é essencial para a saúde empresarial.

O que se perde quando uma relação comercial é desequilibrada?
Muitas vezes escutamos de um novo cliente: “Ah, o fornecedor anterior não entregou o que eu pedi com qualidade.” Mas eu lhes pergunto: “Será que você, contratante, fez uma negociação justa de valores e escopo com o seu fornecedor?”.

Portanto, a questão é: como um empresário que precisa vender para lidar com seu fluxo financeiro consegue ser firme e não aceitar essas condições que podem lhe afetar em um futuro breve?

Quando uma negociação não é feita no estilo “ganha-ganha”, pode levar a uma perda de confiança e respeito entre a empresa e o fornecedor, o que fragiliza futuras negociações. Além disso, a busca por descontos excessivos pode prejudicar a qualidade do serviço prestado, resultando em atrasos e problemas técnicos, sem contar que o abuso no poder de compra pode levar a uma perda de reputação da empresa.

Ao estabelecer uma relação de confiança com o fornecedor, é possível obter vantagens competitivas, como:

  • relação comercial duradoura e benéfica para ambas as partes;
  • prioridade em projetos;
  • serviços personalizados;
  • atendimento de maior qualidade;
  • possibilidade de o fornecedor investir em capacitação e aprimoramento do seu negócio, pois possuirá margem necessária para isso e a empresa contratante só tem a ganhar.

De acordo com um estudo da Dun & Bradstreet, 30% das empresas relataram que já tiveram problemas com fornecedores que não atendiam às expectativas ou que apresentavam problemas em suas entregas.

Além disso, 34% dos entrevistados disseram que atrasos na entrega de produtos ou serviços já causaram problemas em suas operações. Esses dados mostram que a escolha de fornecedores é um fator crítico para o sucesso de uma empresa e que um processo de compras abusivo pode ter consequências negativas.

Qual a conclusão?

Infelizmente, pelo cenário econômico que enfrentamos, a iniciativa para resolver parte dessa questão tem que partir dos contratantes. Caso não haja conscientização, a tendência é que esse problema, que tem sido recorrente, se agrave ainda mais. Por isso, a busca pelo diálogo e apoio aos fornecedores é importante, pois, sem eles, os objetivos da empresa não serão atingidos.

Será que os contratantes, ao fazerem negociações que só lhes favorecem, saem realmente ganhando? Veja alguns dados importantes.

  • Uma pesquisa realizada pela Dun & Bradstreet revelou que 43% das empresas enfrentam problemas de pagamento atrasado de fornecedores, o que pode resultar em práticas agressivas de negociação para compensar as perdas.
  • Segundo a consultoria Procurement Leaders, as práticas agressivas de negociação podem levar a um aumento médio de 8% nos preços dos produtos e serviços adquiridos, o que impacta diretamente a margem de lucro da empresa.
  • Uma pesquisa da organização de defesa dos direitos do consumidor, Public Citizen, revelou que as práticas abusivas de negociação podem levar a um impacto significativo na economia global, com custos adicionais de até US$ 2,3 trilhões por ano em todo o mundo.

Portanto, não tenha um ESG “para inglês ver”. Amplie o seu ESG para as práticas comerciais e conscientize seus colaboradores sobre a responsabilidade de influência no mercado como um todo.

Vamos abrir esse diálogo e escutar e entender os anseios dos fornecedores, para assim, juntos, trilharmos um caminho de sucesso.

Rodrigo Neves
Presidente da AnaMid
CEO da VitaminaWeb

Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não necessariamente corresponde à opinião da AnaMid.

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